A mesa-redonda sobre reforma fiscal realizada no dia 16 de Dezembro de 2025, no Centro Internacional de Conferências Joaquim Chissano (CICJC), expôs limites que vão além da técnica tributária. O debate, promovido pela Comissão Técnica (COTE) do Diálogo Nacional Inclusivo, revelou um problema mais profundo, que é o facto da fragilidade da autoridade do Estado e a fraca capacidade de garantir a aplicação equitativa da lei fiscal.
A mesa-redonda foi composta por Edson Macuácua, presidente da COTE, Virgínia Videira, na moderação, e os académicos e activistas sociais Adriano Nuvunga e Gift Essinalo, como oradores. A discussão afastou-se rapidamente da engenharia legal para se concentrar nas condições políticas e institucionais que determinam o funcionamento efectivo do sistema fiscal em Moçambique.
Adriano Nuvunga colocou o cerne do problema fora da legislação. Para ele, a fiscalidade falha não por ausência de normas, mas por falta de autoridade e por práticas persistentes de corrupção. A Autoridade Tributária, apontou, não impõe respeito nem produz dissuasão suficiente. Sem capacidade de cobrança selectiva, cega ao poder económico e político, qualquer reforma legal torna-se irrelevante. “A reforma começa aí…Não pode haver filho de dirigente com mina que não pague imposto. Reforma não é esta mesa-redonda. Este é o tempo em que a Autoridade Tributária cobra e, quando não o faz, encaminha os processos à Procuradoria-Geral da República. Isso é crime”, considerou. A sua afirmação remete ao facto do problema estar na aplicação da lei, não na sua redacção.
Gift Essinalo centrou a sua intervenção na arquitectura institucional do sistema fiscal e na sua dimensão territorial. Identificou uma dupla falha. A primeira tem a ver com a escassez de recursos no âmbito da governação descentralizada; a segunda, com uma crise de confiança que afecta tanto a arrecadação de receitas como a fiscalização da despesa pública, sobretudo nos megaprojectos extractivos.
Para Gift Essinalo, os recursos naturais explorados nas províncias geram receitas que são canalizadas directamente para o Governo Central, deixando os territórios produtores sem controlo efectivo sobre os rendimentos que produzem. Afrimou o seguinte: “Os órgãos de governação descentralizada, apesar de terem recursos no seu território, não têm autonomia sobre as receitas que deles advêm. As províncias ficam dependentes da decisão do governo central.”
No debate subsequente, vários participantes defenderam que os problemas fiscais exigem respostas imediatas, paralelas ao processo do diálogo nacional. Foram apontadas a descentralização fiscal e a partilha de receitas como medidas essenciais para reduzir desigualdades territoriais e reforçar a legitimidade do Estado. Houve também apelos ao fortalecimento da fiscalização pelo Tribunal Fiscal e Administrativo, com vista a conter despesas públicas injustificadas.
A falta de transparência empresarial foi identificada como um obstáculo recorrente à eficácia do sistema. Entre as propostas apresentadas estiveram o pagamento de impostos no local da actividade económica e o envolvimento dos sectores responsáveis pela concessão de licenças no processo de cobrança, de modo a reduzir a evasão fiscal e os espaços de captura institucional.
O presidente da COTE, Edson Macuácua, no fim dos debates, sublinhou que a fiscalidade não é um tema técnico reservado a especialistas, mas um assunto de interesse público central, com impacto directo nas condições de vida da população. “Estes assuntos devem-nos interessar porque afectam o bolso de cada um de nós”, frizou. Continuando, disse, “o poder de compra, a qualidade de vida, o combate à pobreza e o bem-estar estão directamente ligados à fiscalidade.”
O debate deixou uma conclusão de que sem autoridade fiscal efectiva, aplicação igual da lei e redistribuição territorial credível, a reforma fiscal permanece um exercício formal. Em Moçambique, a questão não é apenas como reformar impostos, mas também se o Estado dispõe de capacidade política e institucional para os fazer cumprir.


